Turning the page - parte 4

E nunca se torna uma perda de tempo. Enriquece-nos. Os ganhos, as perdas, porque estas são muitas vezes ganhos maiores.

Após o turbilhão, regressa a serenidade. Aceitamos e aprendemos a respeitar os outros nas suas próprias imperfeições, nas suas próprias falências, nas suas próprias limitações. Não esquecemos os momentos, apenas aprendemos a viver sem eles. Aprendemos a não esperar mais, a não querer mais.

Percebemos que apenas tínhamos a aprender aquilo que tínhamos para aprender com alguém e nada mais. Fazemos tudo o que podemos, mas quando não depende exclusivamente de nós, apenas podemos fazer a nossa parte. E é aí que muitas vezes as surpresas surgem e olhamos melhor para quem está e sempre esteve perto. Agradeçamos a quem teve o condão de mudar, transformar a nossa vida. A maior parte das vezes não é o próprio que tira o partido do bem que conseguiu fazer.

Alguém me proferiu, um dia, sabiamente, estas palavras "nem sempre a vida pode ser como nós queremos que ela seja", mas como diz a música, se tentarmos arduamente, podemos até conseguir que ela seja como precisamos que ela seja e, quem sabe, um dia, ela chegue mesmo a ser como nós desejamos, com quem desejamos.

Turning the page - parte 3

Aceitamos que apesar de todos os pontos comuns e todos os pontos diferentes, é o ponto fundamental que nos afasta, é o ponto fulcral que não permite que as situações evoluam e resignamo-nos. Sim, de facto, resignamo-nos. Uns mais depressa que outros. Mas, é certo, a resignação chega.

É aí que os fantasmas evaporam no ar, é aí que nos apercebemos, sempre com maior força que antes, de todo o valor que temos e que têm os que estão ao nosso redor. É aí que aceitamos, finalmente as coisas. Incompletas ou não. Porque se completam por si só. Porque nos ajudam a fechar um ciclo de vida.
É aí que tudo volta a fazer sentido.

Mudamos, crescemos, evoluímos.

Agradecemos, muitas vezes em silêncio, porque não podemos, sequer, articular uma palavra, porque do outro lado a mensagem não vai passar, não vai sair valorizada, compreendida. Mas agradecemos, por dentro, mesmo assim. E colocamos o passado onde ele deve e tem de estar. E percebemos o quão privilegiados somos, só porque a vida decidiu dar-nos um presente e nós aceitámo-lo de braços abertos. Percebemos, também, que o único ponto comum de todas as nossas histórias somos nós mesmos.
E não há mudança ou evolução sem sofrimento. E quem disso se apercebe, mais facilmente encontra a plenitude, uma espécie de felicidade que apenas pode partir de dentro e nunca de factores exteriores, como um relacionamento ou um trabalho.

É ai que estamos preparados para abrir novamente os braços, que estamos preparados para experimentar, para viver, de novo, os nossos sonhos, desejos, ambições, o amor, nos seus mais variados contornos, nas suas mais variadas esferas. (continua)

Turning the page - parte 2

Porque muitas vezes passamos na vida das pessoas apenas para, numa determinada fase, as fazermos pensar, repensar, para que elas dêem um salto maior, para abrir caminho para outras pessoas que surgem ou que já estão. Muitas vezes não somos mais que um instrumento para que as pessoas acordem para outras realidades, que sempre estiveram presentes, mas nunca se haviam manifestado. E, talvez nos devamos alegrar por isso e aceitar que é assim, sem culpas, sem medo, sem erguer barreiras. Dos outros para nós, é igualmente, verdadeiro.

Constatamos que nos aproximam as semelhanças, até mesmo as diferenças, que nos enriquecemos sempre que permitimos que alguém se aproxime de nós, seja por muito ou por pouco tempo. O tempo é um conceito demasiado relativo e abstracto. As marcas ficam, senão perderia todo o sentido alguém ter remexido, ter feito nascer entusiasmo, paixão ou, muitas das vezes, alguma espécie de amor, tudo aquilo que nos parecia mais que adormecido até então.

Uma vez, alguém me dizia que "tudo na vida é pedagógico" e de facto é. Até das coisas más, das histórias que ficam, que mais não seja para nós, suspensas, devemos tentar entender a razão. No meio do turbilhão, torna-se difícil, mas quando menos esperamos, quando a acalmia retorna, as respostas surgem, sempre quando estamos preparados para recebê-las.

E aí, após algumas lágrimas, por vezes muitas, momentos de raiva, a culpa dissipa-se. Entendemos que apenas podemos ser responsáveis pelos nossos actos, pelos nossos comportamentos. Podemos até tentar chegar ao outro, mas se a resposta não chega, chega a palavra que mais sentimentos opostos me desperta. Chega, definitivamente, a resignação, a aceitação da realidade dos factos, a incontornabilidade do que está à nossa frente. Que sempre esteve.

Porque há histórias que devem permanecer mesmo assim.

Compreendemos que, embora pareça, à primeira ou à segunda vista, que nos iludimos com algumas palavras e alguns actos, a verdade é que não. Potenciámos, nós mesmos, os acontecimentos. Nós próprios precisávamos de sentir certas emoções, experimentar certos detalhes, para percebermos que ainda possuímos capacidade, que não secámos por dentro.

(continua)

Turning the page - parte 1

Redescobrirmo-nos é, porventura, a melhor forma de nos conhecermos e reconhecermos.
Quando nos sentimos rejeitados e, por natureza, somos um pouco negativos, tendencialmente culpamo-nos se algo não corre bem ou se corre mesmo mal. Questionamos tudo o que nunca questionámos dentro de nós, surgem pontos de interrogação nos locais mais desapropriados, em situações, por vezes, constrangedoras. Muitas vezes a culpa chega a ser tal, que esquecemos que outras pessoas contribuíram, igualmente, para essa falência.
Vem a tempestade, a invasão de sentimentos díspares, muitas vezes emoções e entusiasmos que julgámos não conseguir voltar a sentir, questionamos se somos ou não competentes, se somos ou não bons o suficiente para alguém nos apreciar, dar valor, respeitar e chegamos a pôr em causa a nossa maneira de ser, a nossa aparência, a nossa forma de ver e lidar com o que nos rodeia. Por vezes, por momentos, sentimo-nos inferiores ou não merecedores de uma felicidade que se abre gigantesca, mas que não conseguimos ver. Apenas porque alguém não quer a nossa companhia ou simplesmente, não pode tê-la.

Mais tarde, muitas vezes muito mais tarde, mas nunca tarde demais, depois de grandes conversas sozinhos ou com amigos fieis, por vezes acompanhadas de algum excesso de álcool, constatamos que não podemos reger o comportamento dos outros seres humanos pelos nossos próprios padrões, por muita semelhança que haja.

Muitas vezes os sinais que nos dão ou damos num determinado instante, transformam-se, naturalmente, noutros, ou porque nos assustamos, perdemos o interesse ou simplesmente, porque o que sentimos em determinados momentos foi apenas isso: emoções de momento. Tantas vezes necessárias para se crescer, para evoluir.



(continua)

Hoje apetece-me

Levanto-me da mesa num movimento brusco.
Acabo de beber três ou quatro chávenas de café, não sem bem.
O desejo por um cigarro é incontrolável.
Subo ao meu quarto alugado, abro o maço e apercebo-me que apenas um cigarro se encontra dentro dele.

Ligo a aparelhagem, pressiono o play e logo oiço a voz feminina dos Cranberries.

Saco do isqueiro sofregamente, coloco ansiosamente o derradeiro cigarro entre os lábios e, num único gesto, esquento a ponta, puxo o fumo até que atinja as profundezas dos meus já negros pulmões, saboreio-o e solto-o pausadamente.

Aberta a janela, pouso o cigarro no cinzeiro de barro preto, percorro o quarto para apagar a luz, corro novamente na direcção do cigarro que me espera, inquieto, acendo a luz exterior e saboreio um pouco mais desse objecto longo e carregado de substância viciante, por isso mesmo apetecível e desejada, que provoca momentos de êxtase.

Olho para a varanda. Vindas do céu, caem gotas ds nuvens, que descem sobre a tijoleira disposta por todo o chão.

Levanto a cabeça em direcção ao telhado. Não são apenas as nuvens ou o céu que choram. O telhado também verte lágrimas. "Estará triste?" - questiono-me.

Continuo a devorar o meu cigarro, esquecendo o mundo à minha volta, preocupando-me apenas em fixar o olhar ora no telhado, ora no chão por debaixo dos meus pés.

Com todos estes pensamentos, sinto, repentinamente, vontade de escrever. Caminho, novamente, até ao quarto, piso o seu comprimento, chegando à velha secretária de madeira escura, de onde arranco um caderno a estrear.

Pego na caneta e deambulo. Sinto vontade de escrever uma infinidade de coisas impossíveis de enumerar nesta curta folha de memória.

A páginas tantas, não sou eu quem escreve, mas a caneta que seguro na mão, conduzida pelo movimento do meu pulso e dos meus dedos e que parece já conhecer os contornos das frases, parece já conhecer de cor os meus pensamentos, a velocidade do meu cérebro, como se formam as junções de letras das palavras. Parece não querer parar.

Escrever é alimentar-me de criação, é inventar sobre coisas banais, dando-lhe uma forma sequiosa de leitura.

Hoje apetece-me criar sobre os sentimentos de um telhado triste, do meu telhado, divagar sobre a chuva, deambular acerca de uma vontade selvagem de fumar o último cigarro enterrado dentro de um maço, ridicularizar a quantidade de cafés que se bebem em menos de dez minutos, culminando num movimento brusco de puxar um banco para trás, assentar os pés no chão e voltar ao trabalho.

Enquanto a noite se vai

Enquanto a noite se vai
Pego na tela
E pincelo o mar
Como pintor

Enquanto a vida durar
Pego na guitarra

Enquanto o dia não sai
Agarro a pena
E escrevo as estrelas do céu
Como escritor

Quando a noite acabar
Pego na lembrança

Enquanto as nuvens fugirem
Enquanto os céus não se abrirem
Enquanto amantes partirem
Para outro lugar,
Neste lado da vida
Enquanto a noite se vai
Enquanto o dia não sai
Canto o meu fado.

E quando a noite acabar
Enquanto a vida durar
Eu pinto as ondas do mar

E como amante vazio
Recordo o nosso luar
Pego na saudade
E deixo-a noutro lugar.