Levanto-me da mesa num movimento brusco.
Acabo de beber três ou quatro chávenas de café, não sem bem.
O desejo por um cigarro é incontrolável.
Subo ao meu quarto alugado, abro o maço e apercebo-me que apenas um cigarro se encontra dentro dele.
Ligo a aparelhagem, pressiono o
play e logo oiço a voz feminina dos Cranberries.
Saco do isqueiro sofregamente, coloco ansiosamente o derradeiro cigarro entre os lábios e, num único gesto, esquento a ponta, puxo o fumo até que atinja as profundezas dos meus já negros pulmões, saboreio-o e solto-o pausadamente.
Aberta a janela, pouso o cigarro no cinzeiro de barro preto, percorro o quarto para apagar a luz, corro novamente na direcção do cigarro que me espera, inquieto, acendo a luz exterior e saboreio um pouco mais desse objecto longo e carregado de substância viciante, por isso mesmo apetecível e desejada, que provoca momentos de êxtase.
Olho para a varanda. Vindas do céu, caem gotas ds nuvens, que descem sobre a tijoleira disposta por todo o chão.
Levanto a cabeça em direcção ao telhado. Não são apenas as nuvens ou o céu que choram. O telhado também verte lágrimas.
"Estará triste?" - questiono-me.
Continuo a devorar o meu cigarro, esquecendo o mundo à minha volta, preocupando-me apenas em fixar o olhar ora no telhado, ora no chão por debaixo dos meus pés.
Com todos estes pensamentos, sinto, repentinamente, vontade de escrever. Caminho, novamente, até ao quarto, piso o seu comprimento, chegando à velha secretária de madeira escura, de onde arranco um caderno a estrear.
Pego na caneta e deambulo. Sinto vontade de escrever uma infinidade de coisas impossíveis de enumerar nesta curta folha de memória.
A páginas tantas, não sou eu quem escreve, mas a caneta que seguro na mão, conduzida pelo movimento do meu pulso e dos meus dedos e que parece já conhecer os contornos das frases, parece já conhecer de cor os meus pensamentos, a velocidade do meu cérebro, como se formam as junções de letras das palavras. Parece não querer parar.
Escrever é alimentar-me de criação, é inventar sobre coisas banais, dando-lhe uma forma sequiosa de leitura.
Hoje apetece-me criar sobre os sentimentos de um telhado triste, do meu telhado, divagar sobre a chuva, deambular acerca de uma vontade selvagem de fumar o último cigarro enterrado dentro de um maço, ridicularizar a quantidade de cafés que se bebem em menos de dez minutos, culminando num movimento brusco de puxar um banco para trás, assentar os pés no chão e voltar ao trabalho.